Ciência cidadã


Muitos trabalhos se preocupam em classificar a ciência como ferramenta do capital. É uma posição complicada a não ser para os mais ferrenhos proponentes do anarco-primitivismo.

Vamos analisar uma situação primitiva (não necessariamente anarco-primitiva, foquemos no primitiva) onde o indivíduo precisa de um arco e flecha como ferramenta. O animal humano se diferencia dos outros por não sobreviver sem ferramentas, então ele decide construir o arco.

Ele estuda a tensão de vários cipós até achar um com a flexibilidade adequada, e anota os tipos de cipó que tem as características apropriadas. Ele acaba de realizar a primeira atividade do método científico, criar uma taxonomia – uma classificação de que cipós servem para esse propósito ou não. Seguidamente, ao estudar a tensão no arco, ele acaba de realizar um excelente estudo de física experimental, testando as propriedades físicas de objetos. Se ele procura padrões nos resultados, procede à um estudo de física teórica, no qual tenta-se achar “leis” da natureza – no caso, leis sobre flexibilidade de cipós.

Se ele efetivamente constrói e usa o arco, entrou nos domínios da engenharia – aplicação de conhecimento previamente adquirido para um fim prático. Existe uma passagem curiosa de Marx em Teses sobre Feuerbach: “Os filósofos limitaram-se a interpretar o mundo de diversas maneiras; o que importa é modificá-lo”. Bem, isso me parece um chamado à criação de uma nova engenharia societal – aplicar o conhecimento filosófico acumulado na transformação da sociedade -,  o que encaixa bem na oposição que ele faz filosofia do trabalho de Hegel. Hegel pondera que o filósofo, e por extensão o cientista, se aliena do Espírito Absoluto ao realizar trabalho prático, e que isso é bom. Marx diz que alienação afasta o homem do ser em direção ao ter.

Retornando ao tema: A idéia da torre de marfim científica é uma armadilha burguesa. Ciência não foi projetada para servir apenas uma elite, pois ela não foi projetada – cada cientista tem uma idéia diferente do que é o método certo de aquisição de conhecimento (e do que é episteme, o conhecimento que vale a pena ser adquirido). Isolamento também é uma idéia falsa propagada por interesses escusos para garantir o domínio – o próprio método científico, nas suas muitas vertentes, preza pela validação por pares – uma idéia sobre o tema A é científica quando ela sobrevive ao escrutínio de todos os estudantes do tema A (os ditos pares). Existem várias discussões sobre o significado exato de pares e que aspectos devem ser escrutinizados, mas o fato é que nem de longe é um trabalho isolado em um ambiente. A revisão por pares não é uma câmara de eco, as idéias não são simplesmente repetidas – a melhor forma de fazer sua reputação é derrubando uma idéia bem estabelecida e colocando uma nova no lugar, então para um cientista interessado em crescer sua reputação não é nem um pouco interessante manter as idéias no mesmo lugar.

Voltando ao arco e flecha, a não ser que estejamos fixados em grandes projetos como o LHC ou sondas de espaço profundo, o processo científico não requer grandes recursos. De fato, já existe uma área chamada ciência cidadã – cidadãos comuns que querem ter mais participação em projetos científicos de impacto. Um sub-área curiosa é a ciência de smartphone: Experimentos e observações científicas que dá para fazer com seu smartphone comum.

Esse post está mais longo que o planejado, então vou deixar alguns links sobre o tema aqui, em várias línguas:

 

Já que citei Marx, Hegel, et al, fonte básica:

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